Aracati meu berço das letras. Foi lá o alicerce da formação estudantil que tendo raízes profundas não se desmorona a primeira ventania. Colégio das irmãs salesianas. Passei em frente, domingo dia 25 deste mês. O mesmo estilo na fachada. Lembrei dos rigores da disciplina, das lições decoradas, o silêncio da sala, nem uma pergunta. Éramos robôs aprendendo com a mente e a palavra reservada apenas no olhar.
Eu fazia poemas simples para o amor que ainda viria ou para algum que os olhos se engraçavam. Tirava o primeiro lugar todo o mês ainda tenho o boletim. Era disciplinada, a primeira da sala, representante da turma.
Certo dia uma voz ameaçadora e cheia de autoridade. Sonia compareça a diretoria. A turma chiou numa surdina involuntária. A professora irmã, logo exigiu silêncio. E eu pasma. Que fiz! A santinha das primeiras notas e exemplar, incorrigível, ser advertida pela direção? Ao chegar à surpresa.
- Fazendo poesia de amor, nesta idade? Quarta série primária. Que absurdo! Chamarei seu pai e amanhã traga o caderno para queimar. Como ela sabia, era meu segredo! Ninguém sabia, a não ser uma colega de extrema confiança.
- Não tenho mais irmã rasguei. Ainda não rasgara, mas ao chegar a casa foi à primeira providência. O medo embargou a criação poética. O pecado, em falar de amor e sentimentos puros ganhou a causa.
Sorri ao recordar e falei comigo. Foi um longo espaço irmã. A criação ficou em silêncio, mas a arte preservou a letra para qualquer época e ocasião. A arte por mais simples que seja cria raízes e nada apaga sua trajetória ainda que por caminhos nebulosos e corrompidos.
Fui a Itaiçaba. É uma cidade pacata. As pessoas todas se conhecem. Soube pela prima que não há ladrões, malfeitores. Exceto no carnaval quando vêm pessoas de outras cidades mais evoluídas. É isso evolução? Arrasta maus elementos à proporção que se aglutina variedade de pessoas de outras culturas?
Fui para Itaiçaba visitar a tia de 96 anos em fase terminal. A vista opaca. A mente confusa me reconheceu como um relâmpago. Era uma mulher de fibra e luta.
Fiquei de pé ao lado do leito e revivi, nos tempos de criança, a sua mocidade e agora um trapo de mulher, que a natureza transformara em espectro de gente vegetando e sofrendo sem saber o significado de tal sofrimento.
Mas, como as irmãs, também ela tentou podar minha vontade pelas letras. Repreendia-me muito por gostar de lê tantos cordéis, dizia. Leitura ruim é só história de mortes, infidelidades, brigas. Vá lê a Bíblia. Viveu uma vida de santa e um final de caminhada angustiante. Nada entendo das coisas Divinas nem da providência desta força poderosa Deus.
sonianogueira